segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

[À Descoberta de Vila Flor] Quadros

Tinha chovido de noite, pelo que a exuberante vegetação que envolve o lugar, impava de esmaltes vivos, rescendia a frescuns de resinosas, de fenos, de terra húmida. O sol fazia negaças por trás de maços de nuvens alvacentas, boiando no azul mais cristalino que os nossos olhos possam exigir para pintar a candura, sem penumbra de mácula.
Aos gorjeios da passarada, procurando em vão sulcos que o arado abrisse, porque nos campos era descanso em segunda-feira de Páscoa, para cá do rio, misturava-se o sussurro áspero e monótono da água do rego da Quintã, hoje correndo para as leiras do Casal, segundo um calendário que já vem dos trisavós.
Lá fomos, eu e a Maria Rosa, encantado pela formosa companhia que arranjara, lisonjeada pelos meus ditos cidadãos, que lhe correram o rosto feição por feição, tingindo-o de mais rubro e avivando-lhe os olhos de mais brilho; intenções e conversa tão inocentes como eram puras as flores rasteiras por que íamos passando, no rumo de Outoreça.
Derivando para cima, a demandar a encosta, passámos entre espessuras de pinhais e searas de centeio tendo em frente a linha mista dos cumes, eriçada de árvores esguias, sobressaindo das ondulações o cone muito regular do Castelo de Matos.
Dentro duma baixa murada, com talhos de horta e cabana de guardador, havia lindas giestas floridas, umas brancas, outras amarelinhas, que serviam muito bem para o fim em vista. Animado pelo cavalheirismo que o momento requeria, ajudei a Maria Rosa a pular o muro e a galgar as poldras do ribeiro que corta a propriedade de ponta a ponta.
O sítio entusiasmava à meditação. A torrente espumava entre pequenas rochas de granito vestidas de musgos, afogada em avencas e fetos. Numa poça de água, aberta na areia grossa do leito, entretive-me a seguir as evoluções dos «sapateiros» que se ausentavam à tona, mexendo-se velozes, com as patitas untadas sobre a tensão superficial do fluido.
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Excerto do livro O Homem da Terra, de Luís Cabral Adão (1986)
Fotografia: Rebanho às portas de Vila Flor (Quinta da Paz).

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Publicada por Xo_oX em À Descoberta de Vila Flor a 2/14/2011 02:57:00 AM

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