Estão por lá, bem sei, todas as palavras,
evaporadas na atmosfera doce,
no acerado azul a rasar ignotos orientes.
Tudo, em redor, ciosamente as guarda.
São letras, sílabas, frisos de pássaros
em fio telegráfico a exprimir outonos.
Arrebatam-nas ângulos de nuvens,
como a ilhas de insones e sagazes corsários.
Abstenho-me de dizer o sítio exacto.
Mas é lá que resistem, esparsas, as palavras,
as que nunca se disseram e as que se empenharam
nos riscos de urdir a habitação do nada.
Hei-de revisitar essa festa nocturna
que nenhuma madrugada arrefeceu.
Fender o hímen dessa casta lonjura,
provar que as palavras permanecem
na greda a palpitar no milagre das mãos.
Deixa, por agora, que me ausente
para um espaço interior, no enlevo do nómada
que traça no ocre esmaecido do deserto
um perímetro de sede
para futura catedral de chuva.
Poema de João de Sá, do livro "E de repente é noite", 2008.
Fotografia: por do sol no Facho, Vila Flor.
Fotografia: por do sol no Facho, Vila Flor.
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Publicada por Blogger às À Descoberta de Vila Flor a 5/31/2013 12:08:00 AM
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