"Em tempos que não vão longe, descia do Gavião, bolsa atravessada. Do alto do povoado, com a corneta de local delido, juntava, pelo eirô, os interessados em notícias.
O acto rotineiro acertava a aldeia sem relógio de campanário.
- Co...rrei...o...o!
A penúltima sílaba era sempre longa, atirada com o fôlego de alegria cheia. Quer em dias de casa, aborrecido; quer em manhãs de primavera; ou na ventania agreste do outono esvaecido, ou pelo inverno triste com palmos de nevoeiro.
- Dê-me um de dez tostões!
- Vosselência não tem nada hoje!
- Hoje, não, não pode ser sempre. Remate ao sebastianismo ingénuo do seu faminto rebanho.
Vivia todo preso àquele seu mundo. De graça, dava boas novas, de graça, entregava notícias más.
Se ele soubesse o que oferecia , às vezes, dentro de um sobrescrito, não daria a ninguém novas de sofrimento.
- Espere aí, pegue lá um copito, é p'ró caminho!
- V, então, depressa e eu é que lhe agradeço.
- D'hoje a um ano!
- E o senhor que os conte...
Na horta do portão, naquela tarde dos pássaros não cantarem, pousou a cabeça, duas pedrinhas e, de borco, sorveu dois tragos fundos da fontela.
- Tu não vens bô, home!
- Que é que vocemecê tem, meu pai?
- São uns frios, isto não é nada!
- Vamos ainda pôr as batatas?
No outro dia, a corneta não se ouviu no povoado. Depois, e depois... e sempre, foi outro de semblante mais triste. O povo não gostou.
Já não se ouvia a corneta do alto da sua aldeia."
Poema de Nascimento Fonseca*, publicado no jornal Enié a 15-10-1975.
Fotografias, pela ordem: Aldeia abandonada do Gavião; Vista parcial da aldeia do Nabo; paisagem em direção ao vale da Vilariça, a partir de Vila Flor; marco do correio existente na Praça da República em Vila Flor.
*José do Nascimento Fonseca nasceu no Nabo a 22-12-1940 e faleceu a 27-07-1983.
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Publicada por Blogger às À Descoberta de Vila Flor a 7/27/2015 01:53:00 da tarde
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