quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

[À Descoberta de Vila Flor] e de repente é noite (XXVIII)

Vou pelo assombramento de quartos e salas,
inventariando móveis, invadindo gavetas
que derramam no sobrado uma infância
de pinheiros de natal desfilando
em eclipses de comboios de corda.
Os fungos à superfície dos espelhos
denotam os múltiplos semblantes
que, ao reflectirem-se,
neles se descobriram imagens divididas
entre o exílio efectivo e o reino imaginário.
As conchas onde ouvíamos um cicio de mar,
da forma de um nada que podia ser tudo.
O relógio de pesos parado, a poeira do tempo
sobre a engrenagem, sarcasmo do acaso
ao anseio de exactidão dos ponteiros.
E as indomáveis mãos na glacial desmemória
de anónimas, tolerantes faces,
plasmam-se ao alheamento dos ícones
e inundam de água de sombra o ácido das vozes.


Poemas do Dr. João de Sá,  retirada do livro "E de repente é noite". Edição do autor; 2008.
Fotografia: Castanheiro em Vale Frechoso.

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Publicada por Anibal G. em À Descoberta de Vila Flor a 12/22/2011 09:10:00 AM

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