terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

[À Descoberta de Vila Flor] Os caminhos do Cabeço


Se todos os caminhos do mundo vão dar a Roma e os da Europa a São Tiago, todos os caminhos de Trás-os-Montes vão dar ao Santuário de Nossa Senhora da Assunção. Fica a seis quilómetros de Vila Flor na ponta leste do planalto da Carrazeda. Mas há caminhos e caminhos. Ao longo dos tempos, os romeiros privilegiaram alguns. Um deles passava pela minha terra. Toda aquela gente que vinha dos concelhos de Mogadouro, de Vimioso e de Alfândega da Fé descia, nas vésperas do 15 de Agosto, ao Vale da Vilariça para pernoitar connosco.
Chegavam sempre com ar de quem ia para a festa. À noitinha, acomodavam as bestas no olival da igreja e no do castelo. Depois, vinham os romeiros acomodar-se no Terreiro da Fonte para se refrescarem e cearem. E logo que surgia no céu a primeira estrela, saía do bolso o primeiro realejo, depois outro e outro… E começava o animadíssimo baile dos realejos ao luar de Agosto.

Não há amor como o primeiro
Nem luar como o de Janeiro
Mas lá vem o de Agosto
Que lhe dá no rosto.
Era ali o primeiro arraial do Cabeço: dançavam novos e velhos; os de fora com os da terra; jogos de roda e agarradinhos. Também vinham os fadistas cantar fado ao desafio que é o fado típico na Vilariça. Bebia vinho quem gostava, com tremoços e azeitonas, e água da fonte romana, quem queria. Era o arraial mais lindo daquelas redondezas com inveja dos vizinhos.

Mas nunca a inveja medrou
Nem quem ao pé dela morou.

Depois da meia-noite, esmorecia o baile. Era preciso descansar as pernas para, na madrugada do dia seguinte, palmilhar as poucas léguas que ainda faltavam para chegar ao Cabeço.
Nós, os da terra, sempre partíamos lá para o meio da manhã. Só ficavam os tolos, os velhos e os aleijados com a obrigação de guardarem as casas e acomodarem as crias. Mas ficavam com a parte da merenda a que tinham direito.
Algumas mães dificultavam a ida às filhas. Mas bastava elas dizerem que tinham promessas a cumprir e logo as dificuldades se esvaneciam…

Ó minha mãe, deixe, deixe
Ó minha mãe deixe-m' ir
Ó arraial do Cabeço.
Bou lá e torno a bir.
Bou lá e torno a bir,
Num sei se birei ó não…
Ó minha mãe deixe-m' ir
À Senhora d'Assenção.

As filhas aldrabavam. Mas as mães já tinham feito o mesmo às suas… E por aí fora até à Idade Média. Assim rezam as Cantigas de Romaria em que as filhas se iam encontrar com os namorados garantindo às mães que iam pôr velas aos santos ou "candeas queimar". As mães bem o sabiam como o revela um dos nossos Cancioneiros:

Pois nossas madres vam a Sam Simon
De Val de Prados candeas queimar,
nós, as meninhas, punhemos d' andar
Com nossas madres, e elas enton
Queimen candeas por nós e por si
E nós, meninhas, bailaremos i.

Nossos amigos todos lá iran
por nos veer, e andaremos nós
bailando ant'eles, fremosas (en) cós,
e nossas madres, pois que alá van,
queimen candeas por nós e por si
e nós, meninhas, bailaremos i.

Nesse tempo, Portugal e a Galiza, unidos como unha e carne, falavam e escreviam a mesma língua. Curiosamente Carolina Michaelis situa este santuário de San Simon em Trás-os-Montes. Já vem de longe este nosso gostinho pelas romarias.

Excerto do livro "A Romaria do Cabeço" da autoria do Sr. P.e. Joaquim Leite. Pode ser adquirido no Santuário de Nossa Senhora da Assunção, em Vilas Boas.

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Publicada por Anibal G. em À Descoberta de Vila Flor a 2/07/2012 08:13:00 AM

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