segunda-feira, 11 de julho de 2011

[À Descoberta de Vila Flor] A Eduarda, doceira

Ali, junto ao quintal do Doutor Azevedo, onde havia lilases, lírios e umas folhas lanceoladas muito aromáticas, que eu colhia para meter na minha Cartilha Maternal e, com elas, o perfume de perceber e desenhar as primeiras vogais; ali, no canto chamado das viúvas, por só viúvas lá morarem, é a casinha da senhora Eduarda, pequenina, de esquina redonda, com uma porta, apenas, e janelas que deitam para os telhados vizinhos, do antigo Tribunal.
Esta humilde saudosa casinha, além de residência da senhora Eduarda, era também fábrica de doces, uma espécie de precursora das grandes fábricas de pastelaria que hoje se veem nas cidades, com muitos maquinismos e muitas operárias de bata azul e touca branca.
Mal despontava o dia, se eu abria a porta do quinteiro anexo à casa onde eu nasci, para ir aos pintassilgos com estrumalho, ou aos talhões e rabitas com pescoceiras e costelas (formigas d'ala no cabaço), logo via a doceira sair da loja da lenha, com grandes braçados de chamiça para o forno, caminhando às canchadas, para não pisar os pintainhos da galinha que botara.
- Bons dias, senhora Eduarda! Já tão cedo a trabalhar!
Isso é que ela é madrugadora!
- Tenha Vosselência muito bons dias. Há quanto tempo eu. estou erguida! Tem que se aproveitar a manhê, que faz mais fresquinho. Logo, pela força do calor, quem podia estar à boca do forno?! Então vai aos pássaros?
- É verdade. Olhe: vou passar o tempo, entretido.
- Veja se quer uma suplicazinha! Dou-lha de boa mente.
- Muito agradecido. Já matei o bicho. Até logo!
- Então, até logo. E oxalá que traga uma boa coleira deis, para a Rita lhe fazer uma arrozada.
...

Excerto do livro Paisagens do Norte, de Cabral Adão.
Fotografia: Quinteiro em Carvalho de Egas.

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Publicada por Anibal G. em À Descoberta de Vila Flor a 7/11/2011 10:52:00 AM

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