Na freguesia de Seixo de Manhoses sobrevive há muitas década um ritual único no concelho que acontece a cada dia um de janeiro, conhecido como o peditório do Menino Jesus. Esta tradição foi-se alterando com a evolução dos tempos, mas, no dia de ano novo, cumpriu-se mais uma vez a tradição.
Todos os anos é nomeado o mordomo do Menino Jesus. É sempre um menino, com cerca de 10 anos de idade, que é acompanhado de perto no desempenho da sua "missão" pelo pai, uma vez que a tarefa exige responsabilidade.
Ao raiar do dia um ou dois foguetes anunciam o início do peditório. Todas as famílias aguardam à porta de casa pela chegada do menino, com o Menino Jesus, uma vez que a criança (com o seu pai) levam a imagem do Jesus a abençoar todos os lares da aldeia. Não se trata da imagem do Menino, típico do presépio, mas sim uma imagem maior, representando Jesus mais crescido. Esta imagem está permanentemente num dos altares laterais da igreja matriz.
Os membros da família juntam-se na sala, muitas vezes junto do presépio, onde beijam a imagem do Menino Jesus que o mordomo transporta. A entrada na casa é acompanhada de palavras como "Boas Festas, Bom Ano Novo" ou "O Menino Jesus abençoa esta casa".
Se neste momento a volta pela aldeia é dada unicamente pelo jovem mordomo e pelo seu pai, uma vez que apenas é recolhido dinheiro, que o adulto vai guardando numa bolsa, nem sempre foi assim. Tradicionalmente o peditório recolhia os mais variados géneros alimentares, que se destinavam a um grande leilão, realizado no centro da aldeia. Vários homens transportavam cestos de verga revestidos com tolhas brancas onde depositavam as dádivas. Os produtos mais abundantes eram fruta, queijos, fumeiro e orelhas de porco. Também era recolhida grande quantidade de batatas, azeite, vinho e feijões. Todos estes produtos eram postos a leilão, em pequenas quantidades no largo de Santo António, junto de uma grande fogueira. Algumas pessoas aguardavam por este dia, porque era uma boa oportunidade de comprarem a bom preço produtos da terra que não produziam e de que iriam necessitar ao longo do ano. O vinho não era leiloado, circulava de mão em mão, por aqueles que "picavam" os produtos em leilão, aquecendo o corpo e os ânimos.
Antigamente a aldeia estava mais concentrada, mas havia que ir ao Gavião, porque quem lá morava também gostava de receber o Menino Jesus em sua casa. Durante a volta pela aldeia havia necessidade de ir esvaziar os cestos por várias vezes, o que era feito nos baixos de alguma casa perto do largo. Este trabalho de auxílio ao mordomo era compensado com o almoço, servido depois de terminada a volta e antes de ter início o leilão. A responsabilidade de alimentar estes homens estava a cargo do mordomo. Também a cargo do mordomo estava um dos elementos mais característicos desta tradição, o galheiro. Este objeto era usado em muitas aldeias, nomeadamente pelos cantadores dos Reis. Tratava-se de um ramo de árvore, com uma certa quantidade de galhos, onde eram penduradas as ofertas arrecadadas de porta em porta. Neste caso, no peditório do Menino Jesus, o galheiro era da total responsabilidade do mordomo que o "vestia" de produtos o mais atrativos que podia, com alguma vaidade e em despique com os dos anos anteriores, de forma a conseguir que rendesse bom dinheiro, quando fosse arrematado no final do leilão. O importante era que mal se conseguisse ver a madeira e para isso contribuíam as uvas, maçãs, rebuçados, bolachas, vinho fino e tudo o mais que fosse possível arranjar e pendurar.
Terminado o leilão, não terminava a festa. Em tempos remotos eram os acordeões, os realejos ou as violas que animavam os bailes, depois chegaram as aparelhagens e os grupos musicais.
Todos este ritual foi-se adaptando ao ritmo dos tempos. À medida que os párocos foram deixando de receber a côngrua em géneros e passaram a recolher apenas dinheiro, o leilão foi morrendo e a tradição do galheiro também. Manteve-se o mais simbólico, a visita do Menino Jesus à casa das pessoas, abençoando-as para um novo ciclo. O dinheiro arrecadado é entregue à igreja.
Terminada a sua "missão", o pequeno mordomo indica o seu sucessor para o ano seguinte. O mordomo é sempre um rapaz, havendo memória de uma única exceção, em que as funções foram desempenhadas por uma rapariga, no cumprimento de uma promessa.
As origens desta tradição são desconhecidas. O culto do Menino Jesus, ou do Menino Deus como antigamente era chamado é muito antigo. No século XVIII o culto ao Menino Deus já era referenciado em Seixo de Manhoses, mas também é verdade que ele existia em mais de metade dos povoados do concelho e em muitos da região. Há nesta tradição do peditório do Menino Jesus, do galheiro, do mordomo rapaz, do início do ano, ligações a outras tradições remotas espalhadas pelas mais diversas aldeias da região (festas do ramo, festas de S. Estêvão, charolo, etc.). Um antropólogo seria capaz de interpretar estas ligações.
Em 2011 a tarefa de mordomo, coube ao Ruben. Já não usou o galheiro, nem leilão, mas a volta pela aldeia foi demorada. Ao fim da tarde consegui encontrá-lo já quando estava prestes a terminar. Andou o dia todo de casa em casa (incluindo o santuário de S. Cecília), mas estava satisfeito por ter sido o mordomo do Menino Jesus.
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Publicada por Anibal G. em À Descoberta de Vila Flor a 1/04/2012 08:00:00 AM
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